No zoom você conhece mais de perto um instrumentista por vez. Você tem acesso à sua biografia, análise do estilo, uma relação dos seus trabalhos e de quebra ainda pode conferir um ou mais grooves dele transcritos O que mais você poderia querer? Nesse post analisamos um dos meus bateristas favoritos: o grande David Garibaldi!!
Nascido em 1946, e criado na área da baía de São Francisco, David Garibaldi começou a tocar bateria aos dez anos na escola. Sua carreira iniciou aos dezessete, e em 1966 juntou-se a uma das bandas da Força Aérea Norte Americana. Deixou as forças armadas em 1970, e integrou-se à banda que o consagrou, e na qual você provavelmente o ouviu tocar: o Tower of Power.
No Tower of Power ele ficaria por dez anos, mas também tocou com uma miríade de outros artistas, como Patti Austin, Natalie Cole, Larry Cariton, Mickey Hart’s Mystery Box, Jermaine Jackson, Ray Obiedo, the Buddy Rich Orchestra, Boz Scaggs, Gino Vanneli, the BBC Orchestra, Wishful Thinking e The Yellow Jackets.
De 1980 a 1985 ele ganhou a escolha dos leitores da revista Modern Drummer na categoria “R&B/Funk” – e aí, é mole?
Com esse curriculum eu mesmo já me aposentava, mas acho importante também falar do destaque que David Garibaldi tem na parte educativa, já que como autor ele publicou um bom número de livros e gravou outros vários dvds. Desses últimos eu destaco os dois volumes do Tower of Groove – aquele antigão em que ele aparece de mullet (foto) – em que ele apresenta vários solos e explicações. Mais recentemente ele lançou o The Code of Funk e o Breaking the Code, que são vídeos aulas onde ele apresenta grooves do Tower of Power e que acompanham transcrições – o que é é muito últil, já que é sempre muito difícil tirar os grooves dele de ouvido por causa das várias sutilezas.
Um livro interessante dele é o The Funky Beat, que é meio autobiográfico, e é onde ele disseca a origem e os traços que ele considera mais importantes do seu vocabulário, além de apresentar também várias transcrições de músicas do Tower of Power.
O grande método dele, no entanto, é o Future Sounds. Esse método foi eleito pela Modern Drummer como um dos dez melhores livros de bateria de todos os tempos no número de agosto de 1993.
A primeira parte do livro é uma longa introdução bem detalhada sobre a questão da dinâmica entre os volumes da bateria: que ele chama para propósitos didáticos de “os dois níveis de som”, as notas acentuadas e não-acentuadas.
Segundo o autor, as notas acentuadas devem ser tocadas a oito polegadas da superfície sonora, enquanto as não acentuadas a aproximadamente meia polegada. Além disso, as notas não acentuadas da caixa devem misturar-se às do hi-hat, sendo tocadas fracas o suficiente para que soem como se fossem iguais – resultando num chocalho, se pensarmos. A partir daí ele entra em um longo capítulo sobre o Paradiddle aplicado entre o bumbo, a caixa e o hi-hat, com o objetivo de fundamentar essa articulação entre os dois níveis de som. Não quero detalhar muito porque o tema é muito longo e, além disso, eu encorajo todos a adquirirem o livro, pois vale muito a pena. Vou apenas resumir aqui os pontos que serão úteis para executar os grooves do final do post:
Caixa:
Acento – tocado com o rim-shot, ou seja, golpeando o centro da pele e o aro ao mesmo tempo.
Nota não acentuada – Som suave produzido aliviando toda a tensão da mão que segura a baqueta
Hi-Hat:
Acento – produzido tocando com o corpo da baqueta na borda do prato.
Nota não acentuada – produzida tocando com a ponta da baqueta no topo do prato.
Bateristicamente falando, eu diria que o estilo dele pode ser pontuado a partir das seguintes características:
- Uso frequente da coordenação melódica: Quase sempre, nós bateristas tocamos com os membros simultaneamente, normalmente em relação a um deles que executa um tempo constante. Por exemplo, os destros tocam com a mão direita fazendo colcheias num dos pratos o tempo todo, enquanto o pé direito e a mão esquerda alternam entre si na hora de tocar a caixa ou o bumbo junto com esse prato. Ora, a coordenação melódica é quando os membros nunca, ou quase nunca, tocam simultaneamente, produzindo a partir daí uma melodia. Esse é um traço comum dos grooves de Garibaldi.
- Controle e aplicação da dinâmica: Não é à toa que ele escreveu um livro praticamente só sobre esse tema. Quase todos os seus grooves fazem uso de notas fantasma na caixa que dão preenchimento ao groove e alternam com o uso de “rim shots” que marcam os tempos mais fortes. Não somente isso. Ele também gosta muito de variar a dinâmica nos pratos, usando, por exemplo, o corpo e a cúpula do ride para criar melodias mais criativas e uma sonoridade muito mais rica.
- Uso de figuras dos ritmos afro-cubanos: Como veremos abaixo, ele gosta muito de aplicar os padrões de bell dos ritmos afro-cubanos no Hi-Hat, no Ride e no Cowbell, assim como aplicar conceitos de ritmos étnicos nos seus grooves. O groove de Page One, por exemplo, é baseado num ritmo com o qual nós brasileiros estamos muitos familiarizados: o Partido Alto.
Ao invés de ficar analisando isso em palavras, eu quero exemplificar esses traços a partir de três grooves:
Back in the Day:
Esse primeiro groove é a Intro da Música Back in the Day do Álbum Oakland Zone, e o escolhi porque demonstra bastante como David Garibaldi aplica o controle da dinâmica. Veja como as notas na caixa variam entre acentos e notas fantasma, e ouvindo a música, observe como certas notas de caixa são quase imperceptíveis (quase!). De fato, você vai observar que ele varia a colocação das notas fantasma, nem sempre executando como está escrito abaixo no primeiro exemplo:
Veja essas variações que eu consegui detectar:
E você, quantas consegue ouvir?
Pocketful of Soul:
Esse groove é de uma música do mesmo disco, só que muito mais intrincado, porque a mão direita não está mais fazendo apenas colcheias como no padrão anterior, mas um padrão de ritmos afro-cubanos. Observe como agora a dinâmica invade também a parte do hi-hat:
Esse groove possui uma versão ao vivo, em que ele ganha uma pequena variação no bumbo do primeiro compasso:
Soul Vaccination:
Agora a cereja do bolo! Esse é um dos grooves mais difíceis do Tower of Power. É realmente muito complicado. Aqui podemos perceber a coordenação melódica, pois os membros raramente tocam simultaneamente, resultando num padrão muito pouco linear. Cada um dos quatro tempos é diferente dos outros, e o número de acentuações e notas fantasma é bastante complicado. A grande jogada é perceber que os acentos da caixa entram nos intervalos do baixo.
É isso aí, o post já está bem longo então eu vou parando por aqui. Espero que o texto tenha sido instrutivo para aqueles que já conhecem o trabalho desse baterista excepcional. Espero também ter encorajado aqueles que ainda não conhecem a procurar mais sobre esse músico que merece todo o prestígio que tem.
Um abraço e bons estudos!!
Pedro Alvez
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